CARDÁPIO LEVE

Comida Espacial
Marcos Pontes
03/02/2006

Acabaram as festas do final de ano. Precisando de uma dieta? Quando se trata de comidas leves, isto é, no sentido de não ter peso, é claro que o cardápio no espaço é imbatível! O gosto não é ruim. Ao contrário. Os comprimidos, pastas e outras variedades que alimentaram os mitos sobre o assunto agora são coisa do passado. Na verdade os pratos atuais são bastante comuns, e saborosos. Logicamente, como bom brasileiro, este fato que não elimina a possível saudade de uma boa feijoada ou “daquele” churrasco do final de final de semana! Diferente mesmo é a preparação desses alimentos que, quando existe, usa estranhos sistemas. Certamente seria difícil ter um fogão de quatro bocas a bordo. Mais difícil ainda, seria montar “aquela” churrasqueira improvisada de roda de Volkswagen Impressionante como ficam bons os espetos nesse tipo de “equipamento culinário”.
Bom mesmo seria ter o modelo de “cozinha” semelhante aquela do seriado “Jornada nas Estrelas”. Seleção de cardápio por voz, preparação instantânea. Quem sabe um dia desses? Por enquanto vamos tocando a vida manualmente mesmo.
A questão da alimentação no espaço se divide em três aspectos principais: transporte, utilização e eliminação do lixo. Um cardápio completo de problemas. Mas não se preocupe, vamos deglutir esse material aos poucos. Primeiro, há que se considerar o peso para o transporte. Qualquer economia nesse sentido é “bem vinda”. Tecnicamente falando, talvez fosse mais correto dizer que essa economia é “bem ida”, visto que, na verdade, o que existe é a necessidade de transportar os alimentos da Terra para o espaço. Portanto, de forma geral os alimentos são embalados em pequenas porções individuais, concentradas, para reduzir seu volume, ou desidratadas, para reduzir sua massa.
Cada tripulante tem sua própria “caixa de alimentos”, com seu nome escrito na tampa. Dentro, o seu cardápio personalisado embalado em porções diárias. Tudo extremamente organizado. A espaçonave de transporte russa “Progress” atualmente faz todo o serviço de entrega a domicílio. Infelizmente, pizzas sempre chegam frias! Diga-se de passagem, a “Progress”, entre muitos outros itens, também leva água para a Estação Espacial. Uma preciosidade!
Uma vez no espaço, chega o momento da preparação e consumo das refeições. Mas não vale assaltar a geladeira durante a noite. Não só porque não existe geladeira a bordo, mas também porque os horários para todas as atividades a bordo são rigidamente programados. Bem, quase todas! No plano diário temos meia hora para o café da manhã, uma hora para o almoço e trinta minutos para o jantar. O consumo é antecedido da preparação de cada item. Antes de descrever esse procedimento, é interessante dar uma olhada no processo de escolha dos cardápios individuais. Cientes do efeito normal de perda de apetite durante o vôo, torna-se essencial que todo alimento enviado para consumo no espaço esteja completamente ao “gosto do cliente”. Isso reduz um pouco os efeitos de perda de paladar e apetite em órbita. Assim, meses antes do vôo, cada um de nós passa por uma semana inteira de degustação de comidas espaciais. Durante aquela semana, testamos todos os ítens disponíveis. Café da manhã, almoço e jantar. Somente comida espacial. Cada uma delas recebe notas de um, que significa “detestei”, até nove para “adorei”. Baseados nesses resultados, os nutricionistas montam o nosso menu diário. Tudo é lançado ao espaço antes da nossa chegada. Toda a minha alimentação, por exemplo, viajou no último cargueiro e já está a bordo da ISS.
Voltando à preparação, tudo funciona de maneira bastante simples. Comidas enlatadas são consumidas diretamente. Basta abrir as latas. No nosso “kit” pessoal temos um abridor de latas, duas colheres e um garfo. Obviamente, deve-se tomar cuidado para não deixar alimentos “flutuando” ao nosso redor enquanto tiramos dos recipientes e levamos à boca. As refeições são feitas à mesa e, normalmente com toda a tripulação reunida. Ótima hora para colocar o assunto em dia. Os pés presos sob a mesa, recipientes fixados por velcro. Parece até uma mesa comum. Contudo, no seu centro, encontra-se um aquecedor elétrico de contato que é utilizado para alguns tipos de alimento semelhantes às rações de campanha das forças armadas. Na cabeceira, fica o sistema de fornecimento de água reciclada. que utiliza água recuperada de condensação do ar da espaçonave. O sistema coleta a humidade do ar, normalmente gerada por equipamentos, suor, etc, e deposita em tanques primários. Após vários estágios de filtragem e tratamento a qualidade de porções de água é automaticamente testada. Se considerada boa para consumo, ela é transferida para o tanque de consumo humano. Caso contrário, a porção é transferida para os tanques de uso técnico, como refrigeração dos equipamentos, produção de oxigênio, etc.
A água do tanque para consumo humano é utilizada na preparação dos alimentos desidatrados, assim como para sucos, sopas, chá, café, e outros. Basta encaixar o recipiente na saída do sistema e selecionar a quantidade correta do líquido.
É importante evitar o consumo de itens que não se apresentem saudáveis. Naturalmente uma disfuncão intestinal espacial (fica até elegante com esse nome) não seria nada agradável. Esse assunto nos leva ao último aspecto da questão alimentar: o lixo produzido.
Todo o material a ser descartado é alojado em recipientes e containers especiais no último veículo de transporte “estacionado” na Estação Espacial. Depois de período previsto e devidamente carregado com lixo e outros materiais para destruição, esse veículo é desacoplado da ISS, e será completamente queimado em sua reentrada na atmosfera terrestre. Assim, a última questão do ciclo alimentar no espaço fica resolvida. Permanece, contudo, o desejo que só se calará depois do pouso: que saudade daquele churrasco!

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